Realização: Amigos do Parque
17 de fevereiro de 2020
Uma floresta sem animais que dispersem suas sementes é uma floresta vazia. 150 anos após o início do reflorestamento, o Programa de Reintrodução de Fauna no Parque Nacional da Tijuca pretende continuar a obra de reconstrução da floresta. Desde 2009 o PNT iniciou um programa de reintrodução monitorada de cutias em parceria com a UFRJ e diversas outras instituições. Em 2015 foi a vez do bugio e em breve novas espécies serão reintroduzidas no Parque.
A reintrodução de mamíferos e aves que contribuam na dispersão de sementes, na ciclagem de nutrientes e em diversas funções ecológicas é muito importante para o equilíbrio do ambiente e a manutenção da floresta a longo prazo. Espécies da fauna nativa são reintroduzidas no Parque Nacional da Tijuca para que populações se restabeleçam em seu habitat original, de onde foram historicamente extintas. Este processo é conhecido como refaunação.
Grande parte da área hoje protegida pelo Parque era ocupada por cafezais no século XIX. O Maciço da Tijuca também foi muito empobrecido pela caça e destruição de habitats durante o processo de colonização e ocupação do Rio de Janeiro. Os esforços de reflorestamento aliados ao processo de regeneração natural resultaram na floresta que temos hoje. No entanto, muitos animais extintos localmente nunca retornaram à floresta. Com a criação do Parque Nacional em 1961, diminuição da cultura da caça na população urbana e aumento da colaboração entre a administração do PNT e as instituições científicas do Rio de Janeiro, avalia-se que agora existem condições propícias para refaunar a floresta.
Nos anos 1970, a administração do Parque realizou diversas solturas de animais apreendidos que resultaram no reestabelecimento de populações de várias espécies, como o Tucano-de-bico-preto, Araponga, Sabiá-laranjeira, Sanhaço-cinza e Saíra-sete-cores.
A reintrodução de cutias (Dasyprocta leporina) no PNT acontece com sucesso há seis anos e é um projeto da UFRJ, UFRRJ (Rural), com apoio do Parque Nacional da Tijuca, Parques e Jardins e RioZoo. Após serem capturadas no Campo de Santana, as cutias são examinadas para atestar que estão saudáveis, passam por um período de aclimatação e são soltas gradualmente.Seis anos depois, 32 cutias foram soltas e a estimativa atual destes animais no Parque é de aproximadamente 40 indivíduos. Elas já estão ao menos na sua terceira geração, pois já foram observadas cutias nascidas no Parque tendo seus próprios filhotes. Livres nas florestas, algumas espécies de cutias recebem colares de radiofrequência e também são monitorados por meio de câmeras fotográficas. O objetivo é criar uma população viável a longo prazo, mas o número ideal ainda depende de estudos. Esses roedores são de pequeno porte e vivem, em média, até cinco anos.
Em setembro de 2015 o Parque Nacional da Tijuca, em parceria com a UFRJ, iniciou o processo de reintrodução de bugios (Alouatta guariba). Bugios são grandes macacos, que têm importantes papéis ecológicos, não só em dispersão de sementes, mas também na ciclagem de nutrientes no ecossistema. Neste último papel, os bugios têm uma grande interação com besouros rola-bostas, que se utilizam das suas fezes e disponibilizam os nutrientes para o solo. Bugios são também animais muito carismáticos e notáveis por suas poderosas vozes, que podem ser ouvidas a quilômetros de distância. A soltura do primeiro grupo aconteceu depois que os macacos passaram alguns meses no Centro de Primatologia do Estado do Rio de Janeiro (CPRJ/INEA) para realização de exames, quarentena e formação do grupo social. Um período em viveiro instalado dentro do Parque permitiu a adaptação gradual ao ambiente natural e adequação da dieta, com inclusão de folhas e frutos típicos de Mata Atlântica. O objetivo é que a reintrodução dos animais na natureza ocorra da forma mais natural e tranquila possível. Outros grupos devem ser soltos nos próximos anos.
Um dos maiores problemas para a conservação da biodiversidade no mundo atual são as florestas vazias. Muitas florestas que parecem intactas à primeira vista não têm mais animais de grande porte, que foram exterminados pela caça (comercial e de subsistência). O processo de perda de fauna que produz florestas vazias é chamado defaunação. Em uma floresta vazia, a perda dos grandes animais leva à interrupção de vários processos ecológicos que eles realizam em florestas intactas, tais como dispersão de sementes de grandes árvores, regulação depopulações de presas, e ciclagem de nutrientes. A perda desses processos faz com que o ecossistema de uma floresta vazia não funcione adequadamente, e se nada for feito, a tendência é que uma floresta vazia vá perdendo, pouco a pouco, a sua biodiversidade.
O que está em andamento no PNT é parte de um projeto maior para refaunação de florestas do estado do Rio de Janeiro, o Projeto Refauna. Este projeto é uma parceria entre universidades do Rio de Janeiro (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Rural do Rio de Janeiro e Instituto Federal do Rio de Janeiro) e várias outras instituições como o Instituto Chico Mendes (ICMBio), o Instituto Estadual do Ambiente do RJ (INEA), a Prefeitura do Rio de Janeiro (Fundação Parques e Jardins e Fundação RioZoo), a Fundação Instituto Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e o Centro de Reabilitação de Animais Silvestres da Universidade Estácio de Sá.
Os principais pesquisadores envolvidos no Refauna são Fernando Fernandez e Marcelo Rheingantz (UFRJ), Alexandra Pires (UFRRJ) e Maron Galliez (IFRJ), além de numerosos estudantes de pós-graduação e de graduação que têm desempenhado um papel fundamental. No PNT a iniciativa é coordenada pelo biólogo Ernesto Viveiros de Castro, chefe do Parque.
O Projeto Refauna é atualmente financiado por recursos da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.